A Filha do Imperador - Fábio Pantoni
por Walter de Queiroz Guerreiro
Exposição no Instituto Internacional Juarez Machado
NAS DOBRAS DO TEMPO
Há personagens que se situam numa dobra espacial, entre o
tempo histórico e o tempo mítico. É o caso de “A filha do Imperador”, título
dado por Fabio Pantoni à esta exposição, partindo da imagem construída sobre
uma personagem obscura, idealizada a partir do quadro de Franz Xaver Winterhalter
retratista da nobreza europeia, e de relatos de duas fontes primárias: da
Baronesa de Langsdorff sua dama de companhia na viagem para a França, e da
Condessa de Barral, sua dama de corte em França. O retrato a coloca no
esplendor de seus vinte anos, mas como todas as pinturas de Franz Xaver são
superficiais e decorativas, falta-lhe caráter. Quanto aos relatos são
comprometidos pelas relações de proximidade, no “Diário de Dona Francisca” é um
anedotário, guerra com bolinhas de pão, abertura de caixas para experimentar
toucas, pulando sobre as camas, invertendo a sequência de pratos numa refeição
ao iniciar com doces e terminar pela sopa, e o caso “chocante” de pedir uma
canja de papagaio, segundo ela remédio popular no Brasil contra o frio cortante
a bordo, em suma infantilidades e frivolidades, como a descrição de seus “olhos
de corça”, sua boca sedutora, o porte altivo. A condessa de Barral se limita aos
bailes de máscaras, danças, cavalgadas, obras de caridade, geleias preferidas, seu
talento como aquarelista, e nada mais.
Pela relação icônica com a cidade, uma vez que se originou
de seu dote, Fabio Pantoni a elegeu para uma leitura estético-formal, longe da
pintura histórica, pois seria um anacronismo válido apenas no passado. Sua
visão é contemporânea como processo, vocação que Bourriaud denomina
Altermodernidade, um estado de acumulação flexível com temporalidades múltiplas
e simultâneas, não se podendo rotular um estilo, mescla de formas antigas com
todas estéticas modernistas. Existe historismo, a apropriação de cenas
idealizadas plasticamente, como nas duas obras em que a princesa veste uma
blusa (e noutra saia!) barrada de azul e branco, uniforme adotado pela Marinha
Francesa uma década depois da viagem. Sua obra respira por exemplo Paula
Modersohn-Becker, precursora do expressionismo alemão, visível na face e na
touca de serviçal, em contraposição ao restante da figura em negro, cortada
pela faixa dourada, onde se alinham caracteres de uma fonte tipográfica Art
Nouveau, como um cartaz de época. Um friso geometrizado noutra remonta ao Arts
& Crafts inglês, o dourado remete à Klimt, que por sua vez se inspirou
nos ícones bizantinos de Justiniano, beleza porém também pureza, realeza e glória
pelo esplendor da vida. O tema mitológico de Leda e o Cisne é retomado com a
princesa ladeada por flamingos, tais como suportes das armas de um brasão, erotismo
acentuado pela cor e pelos pássaros. Suas figuras são marcadas pelo contorno,
algo do Art Nouveau, do Déco, da bidimensionalidade da Pop Art e da pintura da
década de sessenta como síntese modernista.
Seu trabalho é isso, algo que permeia tudo, passado,
presente e futuro, um estado de superconsciência, algo como Baudelaire já o
disse: “ o elemento próprio de cada beleza provém das paixões, e, como temos
nossas paixões próprias, temos as nossas belezas”.
Walter de Queiroz Guerreiro, Prof. M.A.
Crítico de Arte ( ABCA - AICA) e
Historiador
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